26 de fevereiro de 2010

Aposta em derivativo castiga Grécia

Nelson D. Schwartz e Eric Dash (THE NEW YORK TIMES)
Apostas feitas por alguns dos mesmos bancos que ajudaram a Grécia a ocultar seu crescente endividamento podem agora estar empurrando o país na direção da ruína financeira. Ecoando o tipo de transação que quase pôs fim ao American International Group, o seguro contra o risco de uma moratória grega, cada vez mais popular, está fazendo com que Atenas encontre dificuldade crescente para obter o dinheiro de que necessita para pagar suas contas, de acordo com negociantes e administradores de portfólio.
Esses contratos,conhecidos como CDS (do inglês credit default swap, que pode ser definido como um seguro contra calote), permitem que bancos e fundos de hedge apostem naquilo que equivale, em termos financeiros, a um incêndio de grandes proporções: o anúncio de um calote por parte de uma empresa ou, no caso da Grécia, de um país inteiro. Se a Grécia deixa de pagar suas dívidas, os negociantes donos desses swaps têm lucro. “É como contratar um seguro contra incêndio para a casa do seu vizinho – cria se um incentivo para queimar a casa”, disse Philip Gisdakis, diretor de estratégia de crédito da UniCredit, de Munique.
Conforme a piora da condição financeira da Grécia prossegue prejudicando o euro, o papel desempenhado por Goldman Sachs e outros grandes bancos no ocultamento da verdadeira extensão dos problemas do país atraiu críticas dos líderes europeus. Mas, mesmo antes dessa questão se tornar aparente, uma empresa pouco conhecida emantida por Goldman, JP Morgan e cerca de uma dúzia de outros bancos tinha criado um índice que permitia aos participantes do mercado apostar na possibilidade de quebra na Grécia e em outros países europeus. Essa empresa, a Markit Group, de Londres, apresentou em setembro o índice iTraxx SovX para a Europa Ocidental, elaborado a partir das negociações de CDS, permitindo que os negociantes apostassem na situação da Grécia pouco antes da crise. Tais derivativos passaram a desempenhar um papel desproporcionalmente importante na crise do endividamento europeu, pois os negociantes têm se concentrado nos giros diários desse mercado.
Alguns deles dizem que um dos resultados desse processo é um ciclo vicioso. Conforme os bancos e outros investidores procuram esses swaps, o custo do seguro da dívida grega aumenta. Alarmados por essa perspectiva negativa, os investidores fogem dos títulos dessa dívida, dificultando a obtenção de empréstimos por parte da Grécia. Isso, por sua vez, aumenta os temores – e o processo recomeça. Nas mesas de negociações, debates furiosos tentam determinar o que exatamente está por trás dos recentes problemas da Grécia.
Alguns negociantes dizem que os swaps agravaram o caso, enquanto outros dizem que a culpa é da deterioração das finanças gregas. “O país está emitindo papéis num mercado cada vez mais fraco”, disse AshishShah, codiretor de estratégia de crédito da Barclays Capital, referindo se à contínua necessidade grega de empréstimos. Mas enquanto alguns líderes europeus culpáramos especuladores financeiros em geral pela piora da crise, a ministra das Finanças da França, Christine Lagarde, destacou na semana passada a responsabilidade dos CDS. Ela disse que um número pequeno de participantes dominava esse mercado, que necessitaria de uma regulamentação mais rigorosa, segundo ela. Neste ano, as negociações no índice de derivativos de crédito soberano da Markit aumentaram muito, ajudando a encarecer o custo do seguro da dívida grega e, assim, aumentando o preço pago por Atenas pelos empréstimos solicitados.
Como aumento da demanda por proteção para os CDS, os investidores fugiram do mercado de títulos da dívida grega em várias ocasiões entre o fim de janeiro e o início de fevereiro, o que levou muitos a duvidarem da capacidade da Grécia de encontrar compradores para futuras ofertas de títulos. “Trata-se de uma situação na qual um cego conduz outro”, disse Sylvain R. Raynes, especialista em finanças estruturadas da R&R Consulting, de Nova York. “O índice iTraxx SovX não criou essa situação, mas a exacerbou.” O índice da Markité composto pelos 15 CDS mais negociados da Europa, e abrange outras economias em dificuldades, como as de Portugal e Espanha.
Conforme as preocupações relativas às dívidas desses países moveram os mercados em todo o mundo desde fevereiro, as negociações no índice registraram forte alta. Os bancos europeus, entre eles os gigantes suíços Credit Suisse e UBS, os franceses Société Generale e BNP Paribas e o alemão Deutsche Bank, estão entre os maiores compradores de seguros para swaps, de acordo com negociantes e banqueiros que solicitaram anonimato porque não têm autorização para fazer comentários públicos. Isto porque são esses os países mais expostos ao risco. Os bancos franceses detêm US$ 75,4 bilhões em títulos da dívida grega, seguidos pelas instituições suíças, com US$ 64 bilhões, de acordo com o Banco de Compensações Internacionais. A exposição dos bancos alemães é avaliada em US$ 43,2 bilhões.
As negociações em CDS associadas apenas à dívida grega também se intensificaram muito, mas o seu volume ainda é inferior ao endividamento do país, avaliado em US$ 300 bilhões. O seguro total da dívida grega chegou a US$ 85 bilhões em fevereiro, um aumento em relação aos US$ 38 bilhões registrados 12 meses atrás, de acordo com a Depositary Trust and Clearing Corp., que acompanha as negociações de swaps. A Markit, por sua vez, diz que seu índice é uma ferramenta para os negociantes, e não um fator de propulsão do mercado. Em pronunciamento, a Markit disse que seu índice foi criado para satisfazer uma demanda do mercado, e melhorou a capacidade dos negociadores de se garantir contra riscos. A empresa acrescenta que o índice, junto com produtos similares, facilita a avaliação de preços por parte dos compradores e vendedores para instrumentos que são negociados entre participantes no mercado de balcão, e não em negociações mediadas pelas instituições. “Esses índices ajudaram a trazer mais transparência ao mercado soberano de CDS”, disse a Markit. “Antes da sua criação, não havia um índice padrão estabelecido que permitisse aos investidores acompanhar o desempenho de segmentos do mercado soberano de CDS.”
Alguns administradores de portfólio dizem que o problema está isoladamente na negociação de swaps gregos, e não no índice como um todo. “É como se o rabo abanasse o cachorro”, disse Markus Krygier, administrador sênior de portfólio da Amundi Asset Management, de Londres, que possui US$ 40 bilhões em ativos de renda fixa de todo o mundo. “Há uma espécie de efeito dominó, pois conforme as posições subjacentes começam a parecer mais arriscadas, os modelos de risco são disparados, obrigando os administradores de portfólio a vender títulos gregos.” Não é por acaso que essa situação parece conhecida. Os críticos desses instrumentos afirmam que os swaps contribuíram para a derrocada do Lehman Brothers. Mas, até recentemente, a demanda por seguros para as dívidas governamentais era pequena. A possibilidade de um país desenvolvido cair em inadimplência com suas obrigações parecia remota. Como resultado, muitos bancos estrangeiros que tinham títulos da dívida grega ou que participaram de outras transações financeiras com o governo não buscaram proteção para o risco de uma moratória. Agora, estão todos correndo para os seguros. “A Grécia não é um país pequeno”, disse Raynes, da nova iorquina R&R. “Os CDS transmitem uma impressão de segurança, mas na verdade aumenta morisco sistêmico.”
TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

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