Por Dan Mahoney (Ph.D em matemática, trabalha para a Mirant-Americas)
A solução favorita - e completamente equivocada - da mídia para todos os declínios econômicos é que o Banco Central vá diminuindo a taxa básica de juros até que a economia comece a mostrar alguma revigorada. O que há de errado com essa abordagem? Imprimir dinheiro - que é o que significa reduzir as taxas de juros para níveis abaixo do mercado - é uma maneira artificial de se recuperar de uma recessão que foi causada por um crescimento econômico artificial; um boom de prosperidade que não teve qualquer fundamento real. Esse ponto, no entanto, é completamente desconhecido por quase todos os comentaristas, porque eles não têm a menor compreensão da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.
O presente artigo faz um breve resumo da teoria, que fornece uma explicação sobre os recorrentes períodos de prosperidade e recessão que parecem assolar como uma praga as sociedades capitalistas. Como Salerno (1996) argumentou, a Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos é de muitas maneiras a quintessência da economia austríaca, pois ela integra várias idéias que são singulares àquela escola de pensamento, tais como a estrutura do capital, a teoria monetária, o cálculo econômico e o empreendedorismo. Assim sendo, seria impossível explicar adequadamente uma teoria tão rica em tão curto espaço. (Ver Rothbard, America's Great Depression, para maiores detalhes). Entretanto, será feita aqui uma tentativa de mostrar como essas idéias relevantes se combinam para formar uma estrutura unificada.
A Teoria
O homem está sempre lidando com um mundo em que há escassez física. Isto é, nem todos os nossos desejos e necessidades, que são praticamente ilimitados, podem ser satisfeitos. Fora do Jardim do Éden, temos de produzir para poder consumir, e isso significa que temos de combinar o nosso trabalho a quaisquer que sejam os recursos da natureza que nos sejam disponibilizados. Como um ser inerentemente racional, o homem descobriu várias maneiras de resolver esse problema, tais como a cooperação pacífica sob a divisão do trabalho - o que leva a um aumento da produtividade -, e os direitos sobre a propriedade privada, que permitem o cálculo econômico de modo que diferentes trajetórias de ação possam ser comparadas de maneira significante.
(Isso não significa que o homem tem uma presciência perfeita e está sempre antecipando corretamente os resultados, bons ou ruins, de suas ações; significa apenas que o homem age propositalmente - ele sempre julga ex ante qual a linha de ação que supostamente melhorará a sua situação - e é capaz de distinguir o sucesso do fracasso, e agir de acordo).
Entretanto, será de grande auxílio considerar a trajetória do desenvolvimento econômico através de um exemplo simplificado, aquele de um "Robinson Crusoé" isolado em uma ilha. A circunstância ilustrada aqui é que uma pessoa deve de alguma forma combinar o seu trabalho com os recursos disponíveis na natureza para que ela possa produzir bens para seu consumo (tipo comida, abrigo, etc.). Por exemplo, eu posso colher frutas com a minha mão, o que vai me permitir um certo nível de consumo. Entretanto, se eu quiser ter um nível maior de consumo, eu terei de criar algum meio de aumentar minha coleta de frutas - por exemplo, construindo uma vara com a qual arrancar as frutas dos arbustos, e uma rede para coletá-las enquanto elas caem.
A menos que esses meios já me sejam dados prontos, eu terei de construí-los por conta própria, e isso vai tomar tempo - tempo durante o qual eu não poderei coletar e consumir frutas utilizando o meu velho método. Assim, durante o tempo em que eu estiver criando o meu novo - e presumivelmente mais eficiente - método, eu tenho de continuar me sustentando de alguma forma. E isso só será possível se eu tiver poupado (isto é, me abstido de consumir) uma quantia suficiente de frutas no passado, de forma que eu possa me concentrar em outros afazeres agora e, ao mesmo tempo, poder continuar me alimentando. (Para mais sobre esse processo, ver Rothbard, Man, Economy, and State, capítulo 1).
Sejamos claros sobre o que está acontecendo: essa pessoa não está simplesmente mudando do consumo para a produção; ela está mudando de uma forma de produção para outra forma de produção. Ela não pode consumir uma coisa até que esta tenha sido produzida, o que significa que todos os processos de produção devem anteceder o consumo. A questão, no entanto, é o que deve ser feito para que se possa mudar para um meio de produção supostamente mais efetivo.
É óbvio que se o sistema de vara e rede, presumivelmente mais produtivo, tivesse requerido a mesma quantidade de tempo para ser construído do que o método manual de coleta, eu já teria utilizado-o desde o início. Mas é claro que esse não é o caso. E dado que adquirir um aumento de produtividade tem um custo - a saber, o tempo que era gasto utilizando o método antigo passa a ser gasto na criação de meios para se facilitar a produção e, consequentemente, o consumo -, deve haver algum meio de se pagar esse custo.
É claro, nem todos os processos de produção mais extensos são mais produtivos. Mas em qualquer tempo e lugar, o homem sempre vai escolher aqueles processos de produção que podem produzir uma determinada quantidade de produto para consumo no menor período de tempo. Um processo que tome mais tempo para chegar ao seu estágio final somente será adotado se for analogamente mais produtivo. Na concepção austríaca, uma maior poupança permite a criação de processos de produção mais "indiretos" - isto é, processos de produção cada vez mais distantes de seu produto acabado. Esse é o papel da poupança, e podemos perguntar o que determina um nível particular de poupança.
A preferência temporal é o grau em que as pessoas valoram o consumo presente em relação ao consumo futuro. Quanto maior a preferência temporal, maior o valor dado ao consumo presente. O ponto chave da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos é que intervenções no sistema monetário - e há algum debate sobre qual forma essas intervenções devem ter para gerar o processo de expansão-recessão - criam um descompasso entre as preferências temporais do consumidor e os julgamentos dos empresários em relação a essas preferências temporais.
Retornemos ao exemplo do Crusoé acima, e consideremos algumas tentativas de se construir meios mais produtivos para a extração de frutas. O que me restringe nesse empreendimento é o meu nível de preferência temporal. Se eu aprecio o consumo presente de tal maneira que a idéia de um aumento no consumo futuro não é capaz de me fazer deixar de comer algumas frutas hoje, meu sistema de vara e rede não será construído. E mesmo se houvesse um sistema bancário de reservas fracionárias, a criação (impressão) de notas de papel (ticket-fruta) não poderia mudar esse fato.
Como exemplo numérico, considere o caso em que a coleta manual me garante doze frutas por dia e que eu simplesmente não esteja disposto a consumir menos de dez frutas por dia. Suponha também que minha preferência temporal diminua, de tal forma que esteja disposto a poupar duas frutas por dia durante sete dias (ignoremos questões como perecibilidade, que obviamente não se aplica a uma economia monetária). Assim, eu terei então uma reserva de catorze frutas. Feita essa poupança, assuma que eu passe a trabalhar durante um quarto do dia desenvolvendo meu novo método de produção e gaste os restantes três quartos do dia coletando frutas utilizando a minha técnica antiga. Esse velho método vai me garantir nove frutas por dia (em um dia inteiro eu colhia doze, em três quartos do dia um vou colher nove), e eu posso usar uma fruta da minha poupança para satisfazer minhas necessidades de consumo atuais (não aceito consumir menos do que dez frutas por dia).
Se eu puder finalizar o sistema de vara e rede em catorze dias (a durabilidade das minhas reservas), então tudo estará bem, e eu poderei curtir os frutos do meu trabalho (sem trocadilho). Entretanto, se eu calcular mal e o processo me tomar mais do que catorze dias, eu terei de suspender temporariamente a produção (ou ao menos atrasá-la) para poder financiar meu consumo atual (alimentação), já que, como assumido, eu valorizo mais um determinado nível de consumo atual do que um consumo futuro maior (sendo essa a essência da preferência temporal). O ponto é que deve existir propriedade (frutas) suficiente para alongar a estrutura de produção, e essa propriedade só pode advir da poupança. Se a minha preferência temporal não gerar propriedade em quantidade suficiente para criar esse processo de produção, meus esforços redundarão em fracasso.
Para que esse exemplo não seja tido como artificial, consideremos uma situação em que as minhas necessidades são de nove frutas por dia. Seria plausível imaginar que eu ainda poderia trabalhar durante um quarto do dia na minha nova técnica sem a necessidade de ter poupado uma provisão de alimentos, já que os remanescentes três quartos do dia, nos quais eu coleto frutas utilizando o método antigo, satisfarão minhas necessidades. No entanto, duas coisas devem ser observadas. Primeiro, minha preferência temporal deve diminuir de um consumo diário de doze frutas para um de nove. Segundo, e esse é o ponto principal, caso eu tivesse poupado previamente, eu poderia gastar ainda mais tempo na criação do novo método, o que me traria um aumento da coleta de frutas mais rapidamente. A poupança ainda permanece o aspecto chave desse processo de construção de capital, e a poupança é guiada pela preferência temporal. Na verdade, a preferência temporal se manifesta através da poupança.
Esse mesmo processo de se utilizar a poupança para financiar a produção atual de bens que serão consumidos no futuro é igualmente válido para economias mais complexas. (É claro, a introdução de mais de indivíduo torna possível o reconhecimento do aumento da produtividade inerente à divisão do trabalho, o que consequentemente tira o homem do seu atual estado de subsistência e ainda por cima torna possível a criação de um conjunto de poupanças). Em qualquer momento, os indivíduos de uma sociedade estarão envolvidos em um processo de produção cujo objetivo final é saciar algum "nível" de necessidade de consumo. Para que possa haver processos de produção mais longos - e, assim, mais produtivos - é necessário que alguns indivíduos tenham se abstido de consumir no passado para que outros indivíduos possam ser financiados e auxiliados na construção dessa nova estrutura, durante a qual eles não podem produzir - e, portanto, não podem consumir - bens de consumo utilizando os métodos da estrutura antiga.
A base da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos (TACE) é que a inflação do crédito distorce o processo acima descrito, fazendo aparentar que existem meios abundantes para a produção atual, quando, na verdade, os meios existentes são muito menores do que aparentam e, portanto, não sustentáveis (ao menos em algumas interpretações; vide Hülsmann [1998] para uma exposição "não-padrão" da TACE).
Dado que isso é na verdade uma ilusão (imprimir notas fiduciárias [Banco Central] ou criar empréstimos tendo como lastro depósitos a vista [sistema bancário de reservas fracionárias] significa meramente inflação, e de maneira alguma representam uma genuína poupança ou propriedade sobre alguma coisa; vide Hoppe et al. [1998]), os esforços dos empresários em criar uma estrutura de produção que na realidade não reflete as atuais preferências temporais do consumidor (manifestadas na poupança real disponível para a compra de bens de produção) vão terminar em colapso.
Qualquer tipo de economia que esteja acima do estágio mais primitivo já não faz mais uso do escambo, é óbvio; ela utilizará o dinheiro como meio de troca para superar o problema da ausência de uma dupla coincidência de desejos (se A está vendendo ovos e B tem um par de sapatos, como eles vão transacionar se A quiser uma gravata? Não está havendo aí uma dupla coincidência de desejos. Assim, apenas o dinheiro pode satisfazer ambas as necessidades, pois representa um meio indireto de troca). Deve-se enfatizar, no entanto, que além desse papel único, o dinheiro também é um bem em si, o bem mais comercializável que existe. Para que não haja dúvidas, o dinheiro será valioso até o ponto em que as pessoas estiverem dispostas a aceitá-lo numa troca. Ademais, o dinheiro deve primeiramente ter se originado como um bem diretamente aproveitável antes de se tornar um bem indiretamente aproveitável (i.e., dinheiro). Essa é a base do teorema da regressão de Mises (Mises [The Theory of Money and Credit]; Rothbard [Man, Economy, and State], capítulo 4).
Como em qualquer outra troca, uma pessoa pode achar, depois do ocorrido, que esta não foi do seu agrado; por exemplo, ela pode descobrir que o bem utilizado como dinheiro não é mais aceito pela "sociedade". Nesse aspecto, não há nada de único em relação ao dinheiro. O que há de único no dinheiro é o seu uso no cálculo econômico. Dado que todas as trocas são, em última instância, trocas envolvendo propriedade, uma unidade em comum que compare tais trocas é indispensável. Em particular, a quantidade de dinheiro na forma de poupança representa uma "medida" da quantidade de propriedade disponível para os processos de produção. (De fato, mesmo manter uma dada estrutura de produção requer alguma abstinência de consumo, para que a produção dedicada à manutenção ao invés de ao consumo seja efetuada).
Guardar dinheiro (na sua carteira, em uma lata de estanho no quintal, debaixo da cama, etc.) não é uma forma de poupança. O saldo de caixa - ou o efetivo disponível - pode aumentar sem que as preferências temporais tenham diminuído, que é o que ocorre quando se poupa. (Com efeito, uma pessoa poupa porque sua preferência temporal diminui). É possível que uma pessoa aumente seu efetivo disponível diminuindo seu gasto com consumo E TAMBÉM com bem bens de produção. Poupar, por outro lado, significa diminuir o gasto com bens de consumo e aumentar o gasto com bens de produção.
O fato de que poupar normalmente envolve um intermediário (i.e., um banco) que vai permitir que uma outra pessoa gaste com bens de produção em nada altera essa questão. O dinheiro é inerentemente um bem presente; guardá-lo significa que se está "comprando" alívio em relação a uma atual inquietação quanto a um futuro incerto. (Vide Hoppe [1994] e Hoppe et al. [1998] para uma discussão sobre a natureza do dinheiro). Fazer empréstimos que têm como lastro depósitos a vista (dinheiro de terceiros que, teoricamente, pode ser sacado a qualquer momento) não pode facilitar a compra de bens de produção (para a criação de bens futuros em detrimento de bens presentes) - e olhe que ainda nem estamos fazendo qualquer consideração quanto aos aspectos jurídicos envolvidos. (Clique aqui para ler sobre a ilegitimidade do sistema bancário).
O aspecto crucial em relação ao dinheiro é que ele permite o cálculo econômico, a comparação entre as receitas esperadas advindas de uma ação e os seus custos potenciais, tudo isso baseando-se em uma unidade comum. Ou seja, uma pessoa adquire propriedade em troca de outra propriedade tendo por base seu julgamento quanto ao futuro, e isso seria impossível - ou, mais ainda, sem sentido - caso não houvesse uma unidade comum para comparar as alternativas. Dinheiro é propriedade, e em um sistema monetário que faz parecer que existe mais propriedade para a produção do que de fato há, o colapso é inevitável.
Não é preciso tentar imaginar se os empresários "lêem" corretamente as taxas de juros ou não. Empresários fazem julgamentos sobre o futuro e, é claro, podem sempre estar potencialmente errados; o sucesso não pode ser sabido de antemão. Entretanto, os julgamentos sempre serão errados quando uma pessoa se defrontar com a ilusão de que há um maior conjunto de poupança do que as atuais preferências dos consumidores podem de fato justificar. Essa é exatamente a situação estabelecida pelo sistema bancário - como intermediários entre poupadores e produtores, ou "investidores" - atualmente no Ocidente. Esse sistema garante que haverá erros, não obstante não impeça o sucesso; daí a existência de um genuíno crescimento econômico ao lado de vários maus investimentos.
Essa análise não é uma insistência moralista para que a economia seja basicamente fundada em algo "real". É um reconhecimento de que meros desejos subjetivos não podem transformar em realidade mais propriedades do que as que já existem. Caso um sistema monetário dê a ilusão de que as preferências temporais dos consumidores - como fornecedores de propriedade para propósitos de produção - são menores do que realmente são, então a estrutura de produção construída sobre tal sistema é inerentemente equivocada. Quaisquer planos que aparentem ser plausíveis durante a fase inicial da expansão econômica (boom), inevitavelmente revelar-se-ão errados devido a uma insuficiência de propriedade (poupança real). Esse é o ponto mais importante da Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos.
Artigo retirado do sítio mises.org.br
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