5 de maio de 2010

Comediantes da dívida pública

Em mais um 'round' de pesquisa sobre a dívida pública, dei uma lida sobre a CPI da dívida pública.

Esta CPI foi instalada em 2009 por 'movimentos sociais' interessados em investigar 'a verdadeira natureza da dívida pública brasileira, que chega a consumir até 47% do orçamento que o país poderia direcionar para educação, saúde e outros investimentos.'

Ou seja, seguindo a linha clássica da ignorância da esquerda, o culpado pela dívida pública, conclusão tomada mesmo antes da CPI começar, são os juros, que justamente como mostramos nos artigos anteriores é uma das facetas da dívida pública.

É como se reclamassem que estão endividados por causa dos juros do cheque especial, e não por causa da dívida em si. Aí querem abaixar na marra estes juros - o que se faz comprando títulos públicos no mercado, injetando crédito e causando inflação - para que possam ficar livres para gastar ainda mais.

Se o estado puder refinanciar sua dívida de maneira a pagar menos, ótimo. Mas obviamente não é isso que os economistas 'anti-neoliberais' querem dizer. No fundo eles não ligam para a inflação, não ligam para a moeda, e por má fé ou ignorância, estão se lixando para a população.

É triste ver que parlamentares não sabem como isto funciona. Tudo bem que eles são do Psol, e o mecanismo monetário é mesmo sorrateiramente técnico. Mas se fosse depender da capacidade de certos parlamentares de entender assuntos econômicos, estaríamos ainda na época do escambo, ou talvez nem isso.

Em todo caso, é engraçado ver estes patetas criarem uma CPI para analisar a dívida pública justo na hora em que Lulinha e sua turma aproveitaram a crise mundial para salvar Votorantim, capitalizar Petrobrás, salvar a Sadia da falência... E depois financiar as obras de desenvolvimento tocados à moda antiga. Lula arrebentou a boca do balão, em termos de dívida pública. Quer transformar o BNDES no maior banco estatal da galáxia.

Quem toma do BNDES pega com juros subsidiados por todo mundo que pega taxas normais nos bancos. O Brasil é um dos poucos países do mundo onde existem duas taxas de juros. Uma para os com-subsídio e outra para os sem-subsídio. O BNDES existe porque toma na marra recursos do dos trabalhadores e das empresas, através do FAT, do PIS/PASEP. Um dos pedregulhos mais pesados na mochila do 'custo-brasil'. E recentemente, o BNDES passou a ser financiado diretamente pelo tesouro, o que dá uma dimensão muito maior ao problema.

Se formos ver onde o BNDES anda aplicando a maioria dos seus vastos recursos, vamos ver meia dúzia de grandes empresas, o 'chaebol' brasileiro. Empresas que teriam total condição de jogar de acordo com as regras do capitalismo e obter crédito de maneira convencional.

Empresas estatais, semi-estatais, e com grande influência política. Os grandes projetos tem uma prepoderância como nunca antes na história deste país - ressalvas feitas ao regime militar e a contrução de Brasília - perigo, perigo.

O resultado disso tudo antes foi um grande inchaço na dívida do país. E não é nada diferente agora.

Como é típico por estas bandas, o governo investe um tempão massageando estatísticas, falando de dívida 'líquida' versus dívida 'bruta', picaretagem semelhante ao uso de termos como 'superávit primário'.

Institutos de pesquisa econômica dentro da 'zona amiga' do governo começam agora a pintar uma imagem de que o aumento na dívida existe, ok, mas é por causa do gasto social e do 'modelo de estado' que os brasileiros escolheram (!).


Nem mencione para os novos-estatistas-de-cabeça-erguida a ineficiência da máquina pública. Eles acham que isso é bandeira do PSDB, o único cachorro no momento com uma chance remota de roubar esse osso deles. Eles entendem o mundo como um combate eterno entre as forças do bem, que são eles, e as forças do mal, que consistem no PSDB.

Vão esfregar estudos do IPEA na sua cara 'provando' que o setor público 'produz' mais que o privado. Quem sabe então em um futuro próximo eles vão estar pagando impostos para nós, e não vice-versa? Já seria hora de Brasília começar a pagar dividendos depois de tudo que 'investimos' neles.

Dentro dessa nova tentativa de confundir a opinião pública, vemos os bilhões do BNDES para as grandes empresas e projetos do governo, mascarados como não se fosse dívida, pois 'o estado vai receber isso de volta'. O governo quer nos vender o número de dívida líquida, e não bruta.

Isto simplesmente ignora de propósito que ao assumir todos estes mega-projetos o estado está assumindo também o risco destes projetos falharem. E aí o que vai acontecer? Bota na conta do tesouro...

Mas sabem qual foi a conclusão da tal CPI da dívida?

O relator Pedro Novais, do PMDB-MA, se deparou com esquemas controversos, como o de repasses diretos ao BNDES e Petrobrás via emissão de títulos, e exigiu, corretamente, que tudo isso deva ter o aval do congresso. Notou também a falta de transparência e a babel de dados confusos de propósito, e pediu mais transparência. Recomendações louváveis!


Mas no final, deu um fechamento bem ao gosto do PSol, que instalou a CPI. Concluiu que os juros altos são responsáveis pela escalada da dívida, conclusão que comete aquela falácia básica de ignorar como funciona o sistema monetário.

O relator fez uma observação correta: ao trocar dívida em dólar por dívida em real estamos pagando uma conta bem mais alta. Só que justamente o governo não queria mais entrada de dólares para não prejudicar os empresários exportadores. Além de querer mostrar por aí que o país está 'quites' com FMI.


Agora, para acabar esta análise, e como exemplo de como é difícil sair alguma coisa útil das CPIs e do nosso congresso nacional, vejamos o que foi recomendado após toda esta discussão:


"Dois projetos que estão no Senado receberam apoio do relator. Ambos fixam limites para as dívidas, líquida e bruta, em 350% e 650% das receitas líquidas correntes da União. O Brasil já vem cumprindo esses limites, que são compatíveis com o endividamento de países com o perfil brasileiro. "
Vejamos... Me corrijam se eu estou errado, mas pelas minhas contas isto daria 52.5% do PIB para a dívida líquida, e 97.5% do PIB para a dívida bruta, que é a que se usa neste tipo de análise.

Tomei o PIB estimado em 3 trilhões de reais, para simplificar, e a Receita líquida corrente dos últimos 12 meses, em 450 bilhões de reais.

Dados das receitas líquidas correntes da união aqui:

Este nível de endividameto está bastante fora da possibilidade no momento. Então, como muitas outras leis, esta lei não teria efeito prático nenhum.

Não saberia dizer até quando o mercado 'toparia' a dívida pública brasileira, mas deve ser bem abaixo de 100% do PIB.

Só existe uma meia dúzia de países no mundo com um endividamento tão grande. Um deles é o Japão. Uma grande exceção, pois conta com alta taxa de poupança interna, que acaba voltando para os títulos da dívida pública japoneses, que não rendem - e não precisam render - quase nada.

Outro país com este perfil de endividamento, além de Itália, Grécia, que atualmente não são exemplo pra ninguém, é o Zimbábue. Este país no sul da África, antiga Rodésia, era relativamente próspero. É talvez o pior caso de gerenciamento de moeda e das contas públicas do mundo. O país se acabou na hiper-inflação. O Zimbábue possui endividamento de 300% do PIB.

Então vemos que limitar a dívida pública bruta a aproximadamente 100% do PIB é uma medida bastante inócua... Quando a dívida chegar neste patamar o país já estará quebrado.

Mas quem sabe? Talvez um dia seja útil ter uma lei que evite o Brasil ficar em uma situação pior que a o Zimbábue.

Sobre a CPI

Sobre a atuação oportunista do BNDES na crise






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