3 de maio de 2010

ECB muda regras de colateral para não excluir títulos gregos dos ativos aceitos

Quem tenha estudado o processo de criação da moeda fiat ( veja artigo anterior 'Tentando explicar a taxa de juros' ) sabe que há uma relação de simbiose entre o estado, que emite títulos de dívida, e o BC e os bancos, que usam estes títulos como colateral para criar crédito do nada.

Quando o BC quer expandir o crédito, ele compra títulos da dívida pública - e segura eles.

A quantia paga pelo BC - magicamente surgindo do nada - é depositada no sistema bancário e - magicamente - passa a se multiplicar pelo mecanismo de reserva fracionária. A coisa funciona assim.

Para tirar crédito do mercado, o BC vende seus títulos para o mercado, o que retira moeda de circulação, e magicamente destrói a pirâmide de crédito em cima desta quantia.

Já que toda hora está manipulando o mercado de títulos do governo, frequentemente o BC também faz o papel de tesoureiro do governo, realizando a emissão e resgates destes títulos.

Se você conseguiu acompanhar até aqui, parabéns, já entende mais sobre o sistema monetário do que muitos economistas brasileiros.

O assunto que queremos focar agora é o seguinte. Um sistema monetário de moeda estatal com banco central é uma espécie de 'golpe' que várias nações foram dando ao longo do século 19 e 20 para poder controlar totalmente o sistema monetário, já que os investidores cismavam em colocar a mão no ouro e ir para a porta de saída conforme detectavam problemas, ou quando detectavam uma incoerência entre moeda estatal supostamente lastreada em ouro, e as reservas bem menores do que seria necessário. Muito da retórica da 'fuga de capitais' vem desta época. Os especuladores pagavam para ver e pegavam o tesouro de calças curtas.

Então os estados e os bancos se uniram e resolveram acabar com esta possibilidade de 'reality check'. Os bancos também já praticavam há séculos sua fraude primordial: realizavam empréstimos piramidados em cima dos mesmos depósitos à vista em ouro, se sujeitando aos 'reality checks' das corridas bancárias.

Então no novo sistema, tomando o lugar das 'reservas', desponta o título da dívida pública e a moeda fiat, que podem, sempre que for necessário ou conveniente se descolar de fundamentos e da realidade, e resolver ajustes graves colocando a mão na riqueza de terceiros (inflação). Há que se admirar a genialidade deste sistema que conseguiu realizar de uma maneira elegante o sonho do Rei Midas.

Dando mais um pulo na história chegamos ao Euro, criado por economistas já completamente doutrinados dentro do sistema monetário atual. Como na Europa ainda há a lembrança do comércio com uma moeda única (o padrão ouro) e suas enormes vantagens, estes economistas resolveram criar o 'frankenstein' euro, uma moeda transnacional como o ouro, mas lastreado na dívida de vários estados diferentes. Estes sistema está justamente passando por seu maior teste agora.

Enquanto no dólar ou no real é muito claro qual é o título usado para fazer a máquina monetária funcionar, no euro eles aceitam simplesmente qualquer título com boa classificação. Eles fizeram isso porque na prática precisam aceitar como colateral títulos dos países-membros, e não apenas da Alemanha ou França. Para dar uma imagem de transparência, criaram regras que estipulam o que pode ou não ser aceito. E todo mundo estava dentro do barco por um tempo.

Aí começa o perigo. Definiram uma linha de exclusão pelo 'credit-rating'. Há uma deterioração contínua dos títulos da Grécia, e também de Portugal, e vários outros, o que rebaixa estes títulos.

Ao serem rebaixados, títulos da dívida grega não poderiam mais girar a maquininha de criar crédito do ECB. Imagine as consequências para os bancos gregos e o estado grego... Aí vemos no Bloomberg a seguinte notícia : O ECB alterou as regras. Vivemos realmente em tempos admiráveis...

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