11 de outubro de 2010

A jaguatirica também quer encarar o tigre

Alguns comentaristas na imprensa vem pedindo apoio às sanções contra a China. É bastante evidente o interesse do exportador industrial ao se unir nesta campanha contra as intervenções chinesas. Mas é um erro brigar com cachorro-ou felino- grande sem ter porque.

Senão vejamos. Qual é o jogo que a China vem jogando nas últimas décadas?

Subsidiar o consumo dos consumidores americanos e europeus, exportando para estas zonas mais do que importa, turbinando seu processo de industrialização voltada à exportação e acumulando um balanço positivo ano após ano. Nada diferente do 'modelo asiático' que por anos foi a base do crescimento do Japão e da Coréia, com forte intervencionismo estatal, mas com empresas e conglomerados privados, e consumidores estrangeiros fazendo a seleção de mercado, para não cair naquele protecionismo de mercado interno sem competitividade que conhecemos tão bem.

Como sob este modelo há balanço comercial positivo, o Yuan se valorizaria naturalmente. Aí entra a manipulação do governo Chinês, que enxuga os dólares que entram na China, evitando esta desvalorização, dificultando a vida do chinês e ao mesmo tempo formando uma imensa reserva de títulos do governo americano. Exatamente como foi feito por muito tempo aqui no Brasil. Só que os fluxos positivos deles são enormes, e a reserva, a primeira ou segunda maior do mundo.

Isto cria enorme demanda por títulos americanos, o que abaixa as taxas de juros nos EUA, já com viés de baixa pela simples entrada de produtos baratos.

Resultado: A China manda produtos para eles e recebe títulos da dívida dos governos de volta. Um modelo paradoxal onde o governo do país pobre em desenvolvimento privilegia a indústria exportadora às custas de encarecer o nível de vida de sua própria população, que trabalha extra e acumula poupanças forçadas que financiam os projetos e o estilo de vida mais avançados dos países mais ricos.

Tudo estava bom e ninguém reclamava tanto antes da crise. Porque todos gostam de produtos baratos e juros baixos, certo? Todos estes containeres de produtos vão parar em 'Walmarts' e subsidiam a vida dos americanos, especialmente os mais pobres. O Fed cumpre cegamente seu papel no sistema monetário, que é evitar que haja queda de preços, e com isso dá-lhe botar os juros perto de zero e criar crédito no sistema bancário.

Só que no atual nível de desenvolvimento dos EUA e Europa, estes juros baixos distorceram fortemente a economia. Isto sempre acontece, mas no caso deles a distorção foi gigante. E causou mudanças de comportamento econômico bastante grandes, e em geral negativas. Sem investimentos viáveis que possam trazer um retorno, os bancos usaram estes juros baixos para financiar bolha atrás de bolha, e comportamentos irresponsáveis e de alto-risco.

Não é de se admirar que algumas gerações deixaram de lado profissões mais técnicas para fazer carreira em algum setor bolha. Ou que muitos passassem a viver como proprietário de imóveis, na ciranda de compra-vende e embolsando sempre uma diferença positiva.

O sistema monetário moderno funciona assim, e, sem querer me aprofundar neste tema, a razão da crise está em problemas técnicos deste sistema, que é um sistema inventado. É um sistema que funciona no médio prazo, por uns 30-50 anos. Mas não é um sistema robusto para durar 100 anos. O sistema monetário natural do mundo sempre foi o uso de commodities metálicas como ouro e prata.

Para finalizar, há um país na América do Sul que não possui poupanças, que possui taxas de juros altas como consequência disso, e que tem grandes oportunidades de investimento que não podem ser todas atendidas graças à escassez de poupança. Este país é uma potência no setor de commodities minerais e agrícolas, e tem alguns dos produtos mais desejados pela China, como alimentos, minério e energia.

O papel dos EUA como parceiro comercial brasileiro ainda é importante, mas deve continuar em declínio graças à crise. Enquanto o papel da China só tende a crescer.

Em uma situação dessas falar em 'usar arsenal monetário do Brasil contra China' é, fazendo trocadilho, dar um verdadeiro tiro no pé.

O grande medo é do Brasil se aproximar da China e ficar preso no papel de fornecedor de matéria-prima. Não acredito que seja o caso, principalmente se resolvermos nossos próprios problemas.

E tem um motivo importante pelo qual o Brasil fica na exportação básica. Porque é difícil de importar componentes, agregar valor e reexportar. É um modelo alienígena para o industrial brasileiro, conclamado a nacionalizar toda a cadeira, e acostumado a reinventar a roda, localizar componentes já aqui no Brasil, e vender produtos mais-ou-menos para o mercado local. Isso quando já não aderiram ao novo modelo de 'nacionalizar' os produtos chineses mais defasados colocando um selinho em cima.

Este modelo de importar o melhor e mais barato e agregar valor é exatamente no que os chineses se especializaram, e podíamos fazer o mesmo por aqui. Se observarmos dados industriais, veremos que a China importa muitos componentes do Japão, Malásia, Coréia. Porque este modelo é o que funciona para a indústria moderna.

Portanto acredito que devíamos nos aproximar da China, e não entrar nessa briga desnecessariamente.

Um primeiro passo seria apoiar o comércio com a China em Yuan e Reais, compra de títulos brasileiros pelo governo da China, pacto de livre-comércio, com a entrada de componentes baratos para que a nossa indústria, cujo desmoronamento parece inevitável, possa se reconstruir sob um novo sistema de produção mais moderno, voltado ao mercado externo e com foco em adicionar valor sobre componentes comoditizados.

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