29 de abril de 2010

Tentando explicar a taxa de juros

Há muita confusão no Brasil sobre taxa de juros. Muitos enxergam uma simples conspiração bancária que conspira para manter juros altos e não entendem que às vezes os bancos lucram mais ainda emprestando 10x mais com juros mais baixos. Apontam o dedo para a vítima errada.

A maioria simplesmente não entende o que o mecanismo de alta e baixa de juros tem a ver com inflação e com a dívida pública. Faço uma tentativa de esclarecer este tema, pelo que aprendi através dos ensinamentos da Escola Austríaca e lendo material em inglês, pois em português predomina a politização e a desinformação sobre este importante assunto.


Há uma demanda natural de títulos da dívida do governo, que pagam uma certa remuneração que equilibra a demanda do estado por crédito e a vontade dos investidores de emprestar a uma certa taxa para um tomador de baixo risco, como é o caso do estado. As boas condições fiscais do estado assim como seu histórico de crédito são fundamentais para o mercado convergir em uma taxa mais alta ou mais baixa, dependendo da confiabilidade deste investimento.

Quando novos títulos entram no mercado já saturado, o governo precisa oferecer uma taxa marginalmente maior para que este lançamento seja bem sucedido - lembre que os títulos do governo estão competindo por investimentos com todos os outros possíveis. É como no final da feira, quando o feirante reduz os preços para limpar seu estoque, que no preço atual já não possui demanda.

Por outro lado, quando há título de menos, os investidores aceitam receber cada vez menos em juros, porque investir em títulos públicos é quase sempre mais seguro que emprestar para empresas. É análogo a uma feira onde não há tantos feirantes vendendo maçã, e o feirante - o estado - pode vender seu estoque de maneira mais vantajosa.

Mas ao contrário do que as pessoas pensam, a taxa de juros nestes títulos não é um preço-livre, como na feira.

Como o dinheiro nada mais é que um registro no sistema de contabilidade do Banco Central, o banco central pode efetivamente controlar a criação e destruição de crédito do sistema. Como sabemos, este preço fundamental dos juros tem impacto na economia toda.

O BC poderia fazer isso diretamente. Mas ao longo do tempo o mecanismo mais prático e efetivo para isso trabalha indiretamente.

O BC intervém no mercado de compra e venda de títulos do governo para colar a taxa destes títulos em sua 'taxa alvo', estipulada pela política monetária dentro de um paradigma que tenta um equilíbrio ótimo entre a expansão monetária e o controle da resultante inflação.

Vai haver mais crédito em circulação. Mantidas as mesmas condições de produção, teremos mais dinheiro competindo para comprar exatamente os mesmos bens. Haverá uma subida de preços. E este movimento beneficia muito quem bota a mão no dinheiro 'fresco' primeiro, às custas dos que não conseguem acesso ao crédito.
A produção e a eficiência na fabricação bens também sempre aumenta. Ao contrário da expansão monetária, este é um fenômeno que se origina no mundo real, e depende de progressos reais e uma maior eficiência dos produtores. Os limites para este crescimento de produtividade no Brasil dariam um belo debate, que é frequentemente evitado. É mais fácil trabalhar do outro lado da equação...

Em todo caso, o BC tenta, dada a situação macroeconômica do país, controlar os dois lados dessa equação de maneira que a inflação sempre exista, mas esteja dentro de uma meta.

Em uma situação normal viveríamos sob deflação constante, já que novos processos produtivos a cada ano produzem mais por menos. Isto até transparece em algumas áreas com muito acréscimo de produtividade, como a de tecnologia.

O BC pode tanto intervir muito ou intervir pouco neste mercado. Quando intervém muito, abaixa demais ou sobe demais os juros comparado com o preço do mercado. Aí precisa entrar agressivamente comprando ou vendendo títulos do governo para levar a taxa para o que eles querem.

Quando eles querem forçar uma baixa de juros, precisam 'comprar' parte do estoque de títulos disponíveis no mercado. Comprar está entre aspas pois eles pagam isso com crédito recém-criado. Essa é a 'mágica' da moeda fiat.

Este crédito compra um título no mercado, e esse dinheiro vai para o sistema bancário. Vai aumentar os depósitos no sistema. E esse crédito vai ser emprestado pelo banco para terceiros, que vão redepositar a quantia no banco. Aí o sistema bancário como um todo, apenas mantendo a chamada taxa de depósito compulsório, reimpresta o mesmo dinheiro até o permitido pelo BC. Na prática, o dinheiro injetado pelo BC é multiplicado.


O sistema monetário atual protege os bancos nesta prática, o que facilita a tomada de crédito e aumenta os lucros bancários, causa uma oferta artificialmente mais elevada de crédito, e, que em condições normais, estaria sujeita à corridas e quebras bancárias.

Mas nas condições 'sob controle' do banco central, este mecanismo pode ser evitado. Caso haja um movimento forte de retiradas, o BC efetivamente imprime dinheiro e manda caminhões e mais caminhões de papel para o banco com problemas.

Isto raramente acontece. A última vez que me lembre no Brasil foi durante um dos mandatos do Fernando Henrique.

Se um banco tem problemas repetidas vezes ( lembram do Banco Santos? ) o BC intervém e tira o banco do sistema.

Falando desta época, vale lembrar que o proceso monetário no Brasil antes do Real era completamente exótico e fora do controle. O estado emitia títulos a torto e direito para financiar seus contínuos déficits. Isso exigiria do estado cada vez mais recursos em juros. Mas aí o BC 'comprava' esses títulos a taxas baixas, efetivamente criando uma espiral de expansão monetária. Aí o mercado exigia ainda mais juros, para ter um lucro real, e por aí vai.

Quem possui mecanismos de defesa contra a inflação lucrava com ela. Os primeiros a lucrar eram governo e bancos. Era uma grande farra de bancos públicos nesta época, pois não importava o quanto estas instituições eram mal-gerenciadas, a inflação simplesmente cobria tudo.

Com os orçamentos era a mesma coisa. Um estado podia deixar suas receitas paradas no banco para no próximo mês ter recursos para pagar sua folha defasada. Aqui em Santa Catarina isso aconteceu algumas vezes.

Quando acabou a inflação, implodiu o esquema todo, destruíndo uma rede de interesses sinistra que se beneficiava com esse processo às custas dos brasileiros 'desindexados', geralmente de baixa renda. A real dívida pública acabou bastante elevada, e o governo federal precisou resgatar bancos estaduais, orçamentos dos estados, e outros 'cadáveres' enterrados. (Veja artigo sobre a expansão da dívida pública no governo FHC ).

Para terminar, nesta época o BC suspendeu completamente o multiplicador, aumentando os depósitos compulsórios para 100%. Isto foi um dos dispositivos que serviu para acabar com a inflação, entre outros mais acertados e menos acertados.

Como legado, o Brasil hoje tem uma das maiores taxas de depósitos compulsórios. Isso contribui muito para a solidez do sistema monetário brasileiro ( veja o que aconteceu mundo afora ). Porém, o preço que a gente paga, é a taxa de juros alta.

Um comentário:

Anônimo disse...

Victor,

Qual é a sua leitura sobre esse artigo do Delfim Neto.

http://economiaecapitalismo.blogspot.com/2010/03/leitura-inevitavel-delfim-netto.html

Parabéns pelo seu Blog que sai em defesa do liberalismo.

Marcos-DF