O invasionismo alimenta a linha mais dura da burocracia universitária e impede queixas legítimas
Universidades não são latifúndios improdutivos, nem canteiros de trabalho escravo, nem fábricas falidas. Setores do movimento sindical na universidade, extremamente minoritários, mas muito bem encastelados em entidades cada dia menos representativas, em parte graças a sua própria ação deletéria, revelam notória e muita vez intencional cegueira em relação à realidade específica desse espaço público.
(...) de uns anos para cá virou moda atacar a universidade, de dentro, valendo-se até oportunistamente da facilidade que é promover tais assaltos à luz do dia, por meio de métodos violentos contrários ao espírito pacifista próprio de qualquer comunidade universitária digna do nome, com invasão e ocupação de reitorias e outros locais do campus.
A história se repete aqui como farsa. Se o grevismo acabou sendo a doença infantil do sindicalismo combativo que veio do final dos anos 70 e início dos 80, ainda em plena ditadura, tornando esse instrumento legítimo de lutas e mum mecanismo burocrático e exaurido em sua redundância sem rumo e sem critério, o invasionismo atual é um arremedo de movimento, na verdade reacionário, ao alimentar as vozes mais linha-dura da burocracia universitária e ao impedir, na prática, qualquer movimento sindical de seguir com alguma pauta legítima de reclamos.
Espetaculoso em sua violência predatória de bens caros ao povo brasileiro, intimidatório contra os próprios aliados estratégicos – funcionários e docentes trabalhadores progressistas, vários deles militantes contra a ditadura e contra o capital, os novos ninjas da barbárie antiuniversitária, imitando gestos e indumentária de agentes violentos do Estado ou do crime organizado, contribuem ativamente para o isolamento ainda maior do espaço universitário e corroem internamente sua autonomia. Sua vocação para reality show também os põe a serviço da sociedade do espetáculo, ao reificar a violência, nesse caso gratuita, em geral desencadeada antes de negociações decisivas,como para impedi-las de fato. Exibicionistas de pouca imaginação, esses invasores são sindicalistas de fancaria, sempre provocando desfechos que fechem qualquer diálogo, num monólogo que parece reiterar o desejo perverso endereçado às reitorias: “Chamem a polícia, chamem a polícia...”
O invasionismo como método e como moda não é apenas umadoença infantil. Na prática, desenha-se como antessala de certa modalidade de fascismo, já detectado nos anos 70 por Pasolini na Itália: o fascismo da sociedade do consumo e do espetáculo. A violência é sempre avessa a qualquer discurso, já que faltarão, a esses ninjas covardes, argumentos minimamente comunicáveis, ideias socialmente compartilháveis, para justificar a ira contra dependências universitárias, contra máquinas de fazer café para servidores, contra computadores, salas de reunião de órgãos representativos de toda a universidade (e da sociedade), que certamente podem merecer ser reformados e ver ampliada sua democracia, mas jamais ser física e simbolicamente destruídos.
(...) Quem tem medo de ser contra o invasionismo? Fica aqui uma sugestão às entidades do Fórum das Seis: debater a sério, sem subterfúgios, democraticamente, a crise profunda de sua própria representatividade. Sem bodes expiatórios nem fantasmas conspiratórios. Sem autovitimização oportunista. Se a grande massa de docentes e servidores das novas gerações ausentaram-se por completo de suas associações isso não pode ser explicado, autocomplacentemente, como alienação ou cooptação.
O abismo foi criado por direções alheias e discursos envelhecidos. Autocríticas não podem ser rituais vazios: devem ser responsáveis e consequentes. Quem de fato deseja o avanço da universidade pública?
FRANCISCO FOOT HARDMAN É PROFESSOR
TITULAR DE TEORIA E HISTÓRIA
LITERÁRIA NA UNICAMP
13 de junho de 2010
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