11 de março de 2010

Uma vitória que é uma verdadeira derrota

O leitor do Globo Adolfo Sachsida escreveu uma análise lúcida e bem embasada do episódio da retaliação comercial autorizada pela OMC e implementada com gosto pela CAMEX, com apoio ideológico tanto do governo, que não perde uma chance de aparentemente se opor aos EUA, quanto dos 'sindicatos de empresários', que não perdem uma chance de se livrar da competição estrangeira através de tarifas.


Esta medida provavelmente seja mais simbólica do que qualquer outra coisa, já que a importação de produtos americanos hoje é pequena. Mas é sempre bem-vinda a discussão sobre este tema, que não lembro de ter visto em outras ocasiões. Parte da opinião pública está mais informada quanto a este tema, muito mais do que os comentaristas pagos para isso, embora a maioria dos comentários do Globo mostram que o nível intelectual do brasileiro continua beirando o chão.

Eles não entendem que, na 'retaliação contra os EUA', os punidos são eles mesmos. O governo americano ferra com o consumidor americano e com o produtor de algodão brasileiro para proteger o mercado do poderoso lobby do algodão americano. E em 'retaliação', o governo brasileiro ferra com o consumidor brasileiro, e ferra com produtores americanos de produtos escolhidos a dedo pelos industriais brasileiros.

Antes de mais nada, dois efeitos perversos gratificam o 'Brasil' que realmente se deu bem nesta operação. O governo do Brasil arrecada mais impostos. E o empresário protegido também se dá bem. O consumidor se ferra, mas ele é só um idiota que está torcendo nesta briga lá da arquibancada, com uma bandeira do Brasil na mão. Ele vibra com cada golpe que "o Brasil" dá na cara dele mesmo, para castigar o exportador americano por tabela.

Agora, se estes incentivos não são nada nobres e são efeitos colaterais da guerra de tarifas, qual seria então a justificativa racional? Que o McDonalds se torne mais poderoso do que o lobby do algodão nos EUA e cancele suas políticas porque seu molho ficou mais caro? É óbvio que isso jamais vai acontecer. Se tem alguém que deveria ser retaliado é o lobby do algodão, mas isso não é fácil.

A lista de produtos até tenta conectar essa cadeia, e coloca na lista produtos 'derivados de algodão'. Mas, e daí? O Brasil não importa estes produtos.

E, no final das contas, o governo americano sempre poderá dizer que, na média, os impostos sobre produtos importados são bem, bem menores do que os do Brasil. Os consumidores americanos são os mais privilegiados do mundo. Basta ver os preços por lá para comprovar isso. É capaz até de produtos brasileiros custarem menos lá do que aqui.

Não tem país do mundo que eu conheça que iguale o Brasil em tarifas absurdas de importação como estas de 30%, 60%, 100%. Isso não existe mais no mundo. Na média, é 20% de tarifa. Sem falar que os países ricos formam blocos de comércio, e possuem acordos de tarifas, muito mais do que esta piada que é o Mercosul, o nosso anti-bloco comercial. Estes órgãos todos não tem autoridade nenhuma para decidir que 'o Brasil não precisa' de tal e tal produto, jogando alíquotas nas alturas. Mas infelizmente o brasileiro, sem o saber, é um escravo feliz e fica do lado do seu patrão: industriais e governo, parceiros na fazendinha.

Por exemplo, todo este chilique contra investidores estrangeiros "tomando o NOSSO BRASIL", toda esta retórica patética nada mais é do que um chega-pra-lá da elite política e econômica nacional, dizendo para o estrangeiro nem tentar vir para cá roubar os nossos escravinhos, pois esta fazenda tem dono. O escravinho vibra de emoção ao ouvir este discurso. E se o demagogo disser para ele que o americano malvado quer explorar ele, é bem capaz dele acreditar.

Estes estrangeiros aumentariam a demanda por mão-de-obra, mudariam as regras estabelecidas do jogo. Botariam pavor no empresariado nacional acostumado com esquemas e regalias. Assim como a Azul está fazendo, por causa de um detalhe técnico (seu fundador nasceu no Brasil).

Mas em qualquer assunto que divida EUA e Brasil, sempre será possível ao político oportunista 'jogar para a platéia' e tomar uma posição contra EUA. Sempre haverá uma penca de doutrinados terceiros-mundistas para aplaudir. Só que agora que o Brasil pretende ser um país sério e parte do jogo mundial de poder, não dá pra tomar posturas como essa. Porque às vezes contrariar os EUA é a posição correta e outras vezes significa ser contra o consumidor brasileiro, ser a favor de ditaduras, ser contra os direitos mais básicos.

Um comentário:

Victor Carlson disse...

Mais um ótimo texto.
Vou copiar e despachar por mail!