1 de março de 2010

Reflexões sobre o oportunismo na desgraça, entre o estado e a anarquia

Todo liberal às vezes tem uma recaída anarquista. Nós vemos diariamente tantas injustiças, situações de abuso de poder do estado, e dificuldades artificiais causadas pela burocracia e má-vontade estatal, que às vezes acreditamos que seria muito mais fácil viver em uma anarquia ou até mesmo pagar de vez proteção para criminosos, que pelo menos cuidariam de seus negócios e deixariam você em paz nas outras inúmeras áreas que o estado oficial acaba se metendo por oportunismo.

Mas episódios como este do Chile me lembram qual é o papel fundamental do estado. A manutenção contínua da lei e da ordem, especialmente em momentos como este. A organização da sociedade após uma catástrofe destas proporções exige um certo grau de controle e até de autoritarismo. Deixados por si só em situações que não se repetem, os indivíduos são, em geral, oportunistas e destrutivos. Uma comunidade em tempos normais tem uma certa estabilidade e é praticamente auto-gerida. Mas na catástrofe, é comum assistirmos à suspensão total dos freios naturais do ser humano, a suspensão das regras. É necessária uma postura firme para mostrar que catástrofes naturais não suspendem o império da lei.

Em teoria dos jogos, se estuda bastante jogos que simbolizam a cooperação ou trapaças mútuas entre indivíduos. A conclusão da teoria é interessante: jogos repetidos tendem ao 'tit-for-tat'. A cooperação é incentivada, e a trapaça é severamente punida, pelo menos por um certo tempo. Este sistema, mesmo em um modelo simples de interação entre indivíduos, é o que apresenta melhor resultado para todos. Mas é ingênuo acreditar que a sociedade não esteja cheia de trapaceiros! Em sociedades pequenas, os trapaceiros eram expostos, ou controlados por pressão social.

Hoje, pressão social faz pouco efeito, ninguém mais acredita em punições divinas, e, infelizmente, apenas a lei restou, como mecanismo capaz de colocar um freio nos instintos mais primitivos que subsistem no ser humano, mesmo em uma sociedade avançada. E a lei necessita de um órgão como o estado para ser aplicada.

Episódios de catástrofe nos ilustram que, sem uma reação vigorosa do estado ou alguma agência análoga, em uma ou duas semanas a sociedade entra em um estado de barbárie. E levaria vários anos até uma nova organização surgir espontaneamente, e ao final do processo, assumir o posto de autoridade inconteste.

Por isso, não é realista imaginar que o estado seja algo evitável. Ele é uma organização orgânica que surge naturalmente, por oportunismo e pela necessidade de canalizar este impulso saqueador do ser humano. Uma anarquia pacífica só me parece possível com a existência destes freios morais religiosos ou de grupos étnicos.

Entretanto, se o estado é absolutamente necessário, não há porque desfrutar de confiança demasiada. O estado não neutraliza o 'DNA ruim' da espécie humana. E como o estado desfruta de alguma credibilidade, há sempre o risco dos bárbaros passarem a 'pilotar' a estrutura estatal, e serem respeitados e obedecidos, ao invés de serem tratados como os criminosos que são. Isto aconteceu repetidas vezes na história.

As reuniões das Nações Unidas, por exemplo, onde comparecem dezenas de 'presidentes' de nações extremamente frágeis, dominadas por grupos políticas locais, mais se assemelham à uma reunião entre mafiosos do que entre chefes de estado. A maioria dos estados do mundo não merecem apoio e respeito de ninguém. Inclua aí a maioria dos estados africanos, alguns da Ásia e Oriente Médio e metade dos da América Latina.

Certamente no caso do estado chileno, há autoridade moral para coordenar a sociedade em um momento de crise, e nesta iniciativa eles merecem o nosso apoio.

Mas, mesmo na melhor das hipóteses, o estado é formado por pessoas em sua maioria honestas, porém falíveis, e não de super-homens com poderes especiais. Na verdade, é formado por pessoas mais falíveis do que a média, por causa do modo monopolista no qual o estado opera.

Por isso, sempre é recomendável nutrir pelo estado desconfiança. Está aí sendo divulgado o erro fatal da marinha chilena que descartou a possibilidade de tsunamis, que no final, acabaram causando mais destruição e mortes do que o próprio terremoto.

Como passei um tempo na europa, fiquei admirado, e posteriormente chocado, com a confiança cega que as pessoas passam a depositar em seus estados. Como é possível que confiem em estruturas de poder que há não muito tempo atrás mandaram grande parte de suas populações para a guerra e para o extermínio? Mas a estabilidade política traz esta confiança exacerbada. E aí quando outros tsunamis aparecem sem aviso, a população fica completamente chocada.

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