No conceito de governo popular que os autoritários sonham, não podem existir intermediários entre o governante e a massa. A recente batalha dos autoritários de esquerda contra a imprensa na América Latina é mais um exemplo desta atitude.
O que oferece legitimidade ao governo popular é o apoio de uma massa de gente, desassistida e desagregada. Sem educação, sem perspectivas, sem articulação.
Não é necessário ser cristão ou socialista para fazer uma opção pelos pobres. É do interesse de todo oportunista político fazer uma opção pelos mais pobres, pois são os votos mais baratos. É o mais lógico. Esta é a famosa demagogia, o familiar regime de clientelismo, onde o pobre não 'acha' nada. Seu papel é posar para a foto e concordar. Seu papel é de 'simpatizante'.
É a esta gente carente que os políticos chamam de 'cidadão', de boca cheia.
Já os educadinhos, com dinheiro, articulação, e podendo emitir opinião contrária ou não, estes são indesejáveis, incômodos. Se estiverem do seu lado, melhor. Se for possível comprá-los, melhor. Se não, pior para eles. Quem não sair da frente será soterrado.
A ironia é que estes são, justamente, os que teriam condições plenas para exercer a cidadania.
Eram muitos poucos os cidadãos nas democracias antigas. A maioria das pessoas era escravo, servo, ou cidadão de segunda classe.
O grande sonho da democracia moderna era o de fazer o 'upgrade' destas massas para a cidadania plena. Só que às vezes, como mostram as várias tentativas frustradas de democracia em países subdesenvolvidos, é mais fácil e conveniente fazer o caminho inverso: o 'downgrade' dos emancipados para um servilismo referendado pelas massas populares.
A liberdade de informação é sacrificada neste pacote, juntamente com outras liberdades essenciais 'que não enchem barriga de ninguém'.
Segundo Aristóteles, a democracia seria nada mais que uma tirania exercida pelas massas. Via tal governo com grande suspeita, pois a experiência antiga mostrava que o governo exercido por uma massa de pessoas desinformadas e despreparadas rapidamente converge para o caos, para a agressão mútua. E, quando o caos chega a um nível insuportável, o resultado é a instalação de algum tirano.
A experiência moderna infelizmente confirma Aristóteles. Vemos no longo da história esta estratégia demagógica sendo usada repetidas vezes justamente por líderes carismáticos, com consequências catastróficas. Jogue um grupo contra outro, destrua a sociedade, e colha os pedacinhos.
Aristóteles diferenciava essa democracia, com essência demagógica e auto-destrutiva, da 'politia', onde o governo dos muitos é temperado pela observância de leis claras, e pela construção de instituições respeitáveis, acima mesmo dos sabores da vontade popular. Analistas modernos enfatizam a necessidade de se temperar a democracia com um serviço público profissional, bem longe dos recentes 'loteamentos ideológicos' que estamos observando nos últimos tempos.
É certamente a este tipo de governo que deveríamos almejar. Que a cidadania plena seja disponível para todos os que se esforcem por obtê-la, e que sacrifiquem alguns minutos de seus afazeres diários para se informar sobre o que se passa.
Infelizmente, vemos, como no caso brasileiro, uma transição suave do autoritarismo e do voto de cabresto para a demagogia e para um conceito de cidadania de massas completamente manipulado pelos políticos. O voto desinformado é privilegiado. A informação é controlada. A justiça protege a honra dos políticos, e estipula quanto e o que pode ser dito em campanha eleitoral.
Nestas condições, e em face dos acontecimentos recentes, cada vez mais vejo o sistema político brasileiro como um autoritarismo referendado por voto coagido. É permitida a livre manifestação e livre escrutínio dos governantes, desde que os olhos não olhem para o lado errado e não se viole as muitas disposições em contrário...
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