Fiquei certamente contente ao ver que nestas eleições não foi passada uma procuração em branco para a candidata oficial. Vimos muita baixaria, mas, a cada eleição que passa em um país desses, há razões para comemorar que ainda não estejamos vivendo completamente sob um governo autoritário, fundamentalista cristão, ou mesmo uma nova dinastia imperial, o que dado nosso histórico e a mentalidade do nosso povo seria absolutamente natural. Se você chamar a todos eles de 'presidente', é claro.
Alguns jornalistas entretanto se empolgam, e comemoram a 'festa da democracia'. Comemoram a 'maioridade do eleitor. Então vejamos o estado atual das coisas:
Temos voto imposto e acabrestado. Com o extenso uso da máquina pública, independente de quem está no poder, boa parte da população vota na sistematicamente na situação, independente de qualquer consideração. A compra de votos é proibida no varejo mas é liberada no atacado, com candidatos prometendo quantias caso sejam eleitos. Para interessar o eleitor, só mesmo a promessa imediata de mais dinheiro no bolso. Que vai sair do bolso de outro eleitor, evidentemente.
Assim como em outros países, fatores culturais como religião, posição em relação ao aborto e quiçá até time de preferência contam muito mais do que corrupção, idéias sobre o rumo do país, economia e administração pública. A população adora a monarquia. Vota em dinastias, famílias e sobrenomes. Um candidato ao governo do Distrito Federal - entidade política cuja própria existência é um mistério para mim - teve sua candidatura impugnada, mas sua esposa ainda levou 30% dos votos.
Vemos um total desconhecimento da população sobre pacto federativo, sobre as funções de senador, deputado. Ninguém sabe nada. Os candidatos não se candidatam a uma posição política: isso aconteça talvez na Suíça. Por aqui, se candidatam a Messias.
Temos hoje talvez uns 10% de brasileiros realmente capazes de exercer a cidadania. Pessoas que acompanham o debate cívico, que se informam e tem alguma noção de como funciona. Os demais, votam porque são convocados cartorialmente, e não querem pagar uma multa eleitoral. Fazem fila e mais fila para imprimir papeizinhos e depois fazem fila para votar, com um percentual gigante de erros de digitação, mesmo com campanhas eleitorais que mostram aos incapazes de digitar um número as teclas que eles precisam apertar.
Foi uma vergonha ver o supremo decidindo sobre quais documentos levar a poucos dias da eleição. Mais uma prova de que, decididamente, este não é um país sério. Temos aí uma 'justiça eleitoral', invenção tipicamente brasileira, que emprega vasta burocracia e não são capazes nem mesmo de evitar que candidatos palhaços concorram, como o 'abestalhado', que foi o deputado mais votado pelo estado mais rico do país, beneficiando outros candidatos graças a este espetacular furo nas leis de quociente eleitoral.
Finalmente, assistimos à implementação de uma lei de Ficha-Limpa, que como tipicamente acontece no Brasil, vai parar em flexíveis e nada transparentes decisões judiciais.
Admiro o otimismo de quem celebra o amadurecimento da nossa democracia. Mas falar em maioridade eleitoral em um quadro desses é bastante precipitado. Quem sabe em uns 50 anos nós chegamos lá!
Na pesquisa da escola do meu filho perguntaram: qual é a maior vantagem da democracia. Tive que pensar.
No nosso contexto, sinceramente, a maior vantagem é que ela possibilita uma transição menos violenta entre os grupos interessados na tomada do poder. Assim como nas batalhas entre as cidades gregas ou italianas, os príncipes entravam em campo com seus cavalos e seus lanceiros, desfilavam suas estratégias, movimentavam as tropas, flanqueavam com a cavalaria, até o lado menos ágil admitir derrota. Não era bem uma batalha. Geralmente tudo não passava de um ritual.
Da mesma forma, a campanha aqui é um ritual, e a democracia apenas nominal. Porque ela não é exercida plenamente, e nem seria possível com esta escala e o alto nível de centralização da política federal. O que é necessário é manter a todo custo a estrita observância das leis, a independência da imprensa, e a possibilidade de escrutínio público, exercido sobre quem quer que ganhe nas urnas - e todos os candidatos à príncipe precisam se submeter a isso.
A coisa precisa tocar a si mesma. Até para nos preparamos no futuro para um eventual presidente Tiririca...
4 de outubro de 2010
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