18 de outubro de 2010

A era do dólar-alface

Não me lembro qual economista cabeça-de-repolho certa vez sugeriu que o dinheiro deveria ser assim: como folhas de alface, com validade para ser gasto, para estimular o consumo e impedir a formação de poupança.

Quando uma moeda é estável e os tempos são incertos, as pessoas guardam para se precaver contra alguma eventualidade. Mesmo que os depósitos nos bancos rendam 0%, por causa da incerteza da crise as pessoas vão fazer suas reservas.


Mas o estado moderno se coloca como provedor de tudo em caso de eventualidade, sempre com seus recursos infinitos saindo da cartola mágica. O estado se coloca como a única rede de proteção, e neste contexto os economistas cabeça-de-repolho enxergam a poupança como um inconveniente.

Veja aqui a tendência histórica americana comparada com outros países

http://perotcharts.com/2008/05/household-saving-rates-for-selected-countries/

A taxa de poupança americana mostra claramente uma queda ao longo dos anos em direção a zero. Aí com a crise, esta taxa sobe, como é esperado. E mesmo com o FED criando trilhões a mais, isto tem seu efeito inflacionário limitado porque este dinheiro novo não está entrando e se piramidando no sistema bancário.

http://research.stlouisfed.org/fred2/series/PSAVERT

As pessoas constroem poupança para o futuro por uma série de motivos. Podemos dizer que o capitalismo só se tornou possível com a estocagem de grãos. Antes disso o ser humano jamais poderia executar um projeto de longo-prazo sem depender da caridade ou de algum arranjo social, que lhe provesse com o alface sempre abundante enquanto maturava suas invenções.

O trigo seco sem ser moído dura uma eternidade. Enquanto aquela riqueza permanece armazenada em silos, pode ser usada como garantia na velhice ou para amenizar o sofrimento durante alguma seca. E sem depender absolutamente de ninguém e nem depender da produção futura de alface.

Note que um estoque de grãos não rende juros. Mas tem baixo risco, se este grão for protegido de fungos e do ataque de ladrões. É um ativo real.

Hoje em dia isto quase não existe, e a economia se transformou em um sistema de crédito piramidade sobre crédito com a base de poupanças praticamente nula.

Os EUA hoje, assim como o Brasil, é praticamente dependente de poupanças externas. Na Europa, apenas da França e Alemanha para cima é que temos um comportamento de poupança.

Na Ásia, vamos assistir em algumas décadas ao grande colapso japonês, com a queda abrupta nos níveis de poupança e redução demográfica.

O investimento hoje preferido é na taxação futura dos estados: os títulos do tesouro. Comprando um título desses um cidadão tem acesso à juros pagos com a taxação futura. Assim como a pirâmide da previdência, isto acaba por virar um pacto de exploração entre gerações: uma dívida pública erguida no tempo dos nossos pais é paga por nós hoje através de impostos e os juros altos. Assim também será nas economias dos países ricos.

Quando há uma crise vemos estas taxas de juros naturalmente aumentarem e há uma necessidade dos estados se reformarem e apararem gastos que já estavam sendo feitos contando o fácil acesso a financiamento a juros baixos.

Este é o caminho tomado pela Europa. Já nos EUA, nosso cabeça-de-repolho mor, Mr Bernanke, sonha em transformar o dólar em uma folha de alface. Pois digo que nada mais pretende com sua política de 'quantitative easing' que a inflação de ativos e mesmo de preços ao consumidor. Porque?

Porque quando ameaçado pela inflação, o consumidor gasta hoje, e não faz esta reserva para o amanhã. Da mesma maneira que Lula veio durante a crise para pedir que trabalhadores ameaçados de demissão gastassem suas economias em uma geladeira nova, Bernanke tenta, manipulando o dólar, criar a todo custo uma espiral inflacionária.

O verdadeiro problema do 'QE' é quando 'funcionar'. Se não funcionar e o dinheiro permance desalavancado e os preços em queda, eles simplesmente imprimem ainda mais dinheiro, até que a inflação apareça.

Eles fazem isso 'comprando' 2 trilhões de títulos do governo americano, que, por causa disso, tem suas taxas próximas de zero. O Fed hoje é o maior 'comprador' de dívida do governo americano. Comprador entre aspas porque quando eles fazem isto apenas imprimem dinheiro.

O FED quer ver o dólar virando alface e girando na economia para não ser reduzido pela inflação no dia seguinte. Que ver consumo, e que movimente a economia principalmente em todos aqueles setores e empreendimentos estúpidos que causaram a crise, em primeiro lugar. Três viagens de férias no exterior por ano, instumentos financeiros sem pé nem cabeça, casas no meio do nada, hotéis construídos em ilhas artificiais, spas para cachorros e por aí vai.

Mas o que aconteceria no mundo do dinheiro-alface quando há uma eventualidade? Obviamente o alface não pode ser armazenado como o grão. Imagine a cara do fazendeiro ao abrir seu silo e ao invés de encontrar grão se deparar com alface podre? E imagine que todo mundo está na mesma situação, e que não adianta ele recorrer ao governo nem 'à sociedade' para pedir ajuda. O que acontecerá? Colapso total da economia, como sempre acontece.

Quem não tiver ativos reais na mão vai se empobrecer muito com a era do dólar-alface. O destino final de toda moeda-alface na história sempre foi a lata de lixo da feira.

Nenhum comentário: