Texto de Ilan Goldfajn para O Globo e O Estado de São Paulo. Publicado em: 05/10/2010 |
O resultado das eleições presidenciais está aí. Haverá segundo turno. E, com ele, a esperança de surgirem os programas para o próximo governo. Houve poucas propostas até agora. No tema econômico, o mote parece ter sido o inverso do Tiririca: “Melhor que está não fica”. Mas fica melhor sim. Apesar dos avanços significativos nas últimas duas décadas, o Brasil continua um país relativamente pobre e mal distribuído. Os países que souberam aproveitar o salto inicial para avançar mais colheram os frutos, os outros estagnaram ou até recuaram. Há questões relevantes para poder melhorar: como aproveitar o contexto internacional e a credibilidade adquirida para dar um novo salto ao desenvolvimento sustentável? Como facilitar a vida de quem trabalha, produz e investe no Brasil? Haverá financiamento para todos os investimentos necessários nos próximos anos? De que forma lidar com os gastos que aumentam, o câmbio que se fortalece e os juros reais que caem devagar? As oportunidades nunca estiveram tão presentes para o Brasil dar um novo salto. Em primeiro lugar, o Brasil se insere favoravelmente no contexto global. A necessidade de ajuste nos países desenvolvidos (como a redução dos gastos do consumidor nos EUA) cria demanda para que países emergentes ajudem com crescimento do seu mercado consumidor. O Brasil é sem dúvida um destes países. O crescimento e a formalização da economia, somados à eficácia das políticas sociais, têm gerado um novo mercado consumidor no Brasil. O crescimento da classe média no Brasil é substancial. Entre 2003 e 2008, cerca de 32 milhões de pessoas ingressaram nas classes A, B e C. Em 2003, as classes A, B, e C, somadas, correspondiam a 45% da população brasileira; em 2008, esse percentual subiu para 60%, e acreditamos que, em 2014, chegará a 67%. Esse processo terá implicações profundas sobre o ambiente de negócios no Brasil. Em segundo lugar, o Brasil fez o seu dever de casa. A conquista da estabilidade macroeconômica – como o controle da inflação - tem gerado dividendos para o desenvolvimento. O risco macroeconômico caiu substancialmente e a confiança no Brasil está em alta, o que tem se manifestado num processo de alongamento de prazos de investimento, queda (lenta) da taxa de juros real e formalização da economia. Como se aproveitar disso e dar o próximo passo? Há vários desafios à frente. Um deles é financiar adequadamente (ou seja, de forma sustentável macroeconomicamente) o investimento necessário nos próximos anos. Precisamos investir 25% do PIB, mas provavelmente “só” alcançaremos 22% pela falta de financiamento. Além dos investimentos necessários das empresas para satisfazer a demanda crescente dessa nova classe média, há os investimentos em recursos naturais que o mundo tanto demanda. Em especial, as descobertas no pré-sal vão exigir muito recursos, além de novas tecnologias. Existe, também, o desafio de continuar a encurtar o hiato habitacional hoje existente com maiores investimentos em residências. Sem falar nos compromissos assumidos com eventos esportivos como a Copa do mundo e as Olimpíadas. Para isso, o governo terá que investir em infraestrutura (por exemplo, portos, estradas, aeroportos e logística), encontrar o financiamento adequado para tal e estabelecer as condições para que o setor privado possa investir também. O problema é que o Brasil não abre mão dos gastos correntes para economizar recursos vitais para investimento. O cidadão gasta, o governo também. A poupança doméstica (privada e pública) encontra-se em níveis muito baixos. Na ausência de um ajuste fiscal considerável, o País acabará recorrendo à poupança externa para conseguir financiar o crescimento dos próximos anos. Isso significará um maior déficit em conta corrente, consistente com um câmbio real valorizado pela entrada de capitais. Um ajuste fiscal no presente (e reforma da previdência no futuro) permitirá um novo salto para mais investimento, sem déficits externos maiores. Outro gargalo é na educação. O crescimento sustentável demanda avanços nessa área. É preciso ênfase no acúmulo de conhecimento, na formação de indivíduos que sejam capazes de ser produtivos, de resolver problemas e liderar. Apesar dos avanços no acesso à educação (todos frequentam o ensino fundamental, e 80% o ensino médio), a qualidade ainda é ruim. Continuamos com mau desempenho nos testes de proficiência internacionais. Quase 80% dos nossos alunos de 15 anos não obtiveram a proficiência mínima em Matemática (comparados com apenas 2% na Coreia do Sul). Em Leitura e Ciências, 64% e 57% não obtiveram a proficiência mínima (comparados com zero e 2% na Coreia do Sul). Interessante é que apenas gastar mais não resolve. Gasta-se no Brasil em educação o equivalente ao que se gasta na Coreia do Sul (acima de 4% do produto interno bruto), com resultados bem inferiores. Não basta simplesmente realocar recursos para educação, é necessário planejar e colocar os incentivos corretos para que professores e escolas levem os alunos a um desempenho melhor. Outro aspecto é a ênfase na eficiência na gestão econômica. Há um número grande de pequenas medidas que facilitariam a vida das empresas e indivíduos: otimizar os processos, reduzir a burocracia, incentivar o bom atendimento ao cidadão. A reforma tributária seria uma medida maior nessa busca da eficiência. Na gestão macroeconômica, a eficiência requer uma recomposição dos instrumentos. Temos que permitir que os juros não sejam nossa âncora exclusiva da responsabilidade. Menos expansão fiscal (via gastos e crédito público) permitiria uma convergência mais rápida dos juros a padrões internacionais, o que também aliviaria a pressão de apreciação do câmbio. Enfim, melhor que está pode ficar. Agora é o momento crucial. Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco. |
11 de outubro de 2010
"Melhor que Está Pode Ficar"
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário