Esta é mais uma notícia pessimista da série 'notícias que você jamais vai ler no Brasil'.
Uma das razões para o aquecimento da economia brasileira nos últimos anos é a fome chinesa por commodities. Isso todos sabemos. Para construir, precisam de aço. Para o aço, precisam do minério de ferro, e para isso precisam da Vale e das australianas.
O que a nossa imprensa econômica não enfatiza é que a exemplo de várias outras nações após o estouro da crise econômica, a China entrou em um vasto programa de estímulo na área de construção, com o governo mandando os bancos estatais emprestarem bilhões para os mais diversos projetos de habitação e infra-estrutura. Ao mesmo tempo eles estão tendo problemas de super-aquecimento da economia, de inflação, de explosão do crédito imobiliário, problemas estes bastante familiares com os nossos.
Até se lê um pouco sobre os programas de habitação chineses na imprensa nacional. Sabemos que o governo chinês vem restringindo o crédito. Mas sobre o incomparável programa de construção de linhas de trem de alta-velocidade ainda não havia lido nada.
Precisei de um programa do Discovery Channel, elogiando a alta-tecnologia e eficiência do novo sistema, de um feriado de carnaval e do meu desconfiômetro para analisar a experiência chinesa em infra-estrutura, programas de estímulo, e o caminho mais certo para eles se perderem em seu próprio colapso bancário, inteiramente made in China, com sua tradição bem comunista de comando unificado da economia e controle de bancos estatais, enterrando bilhões em cidades-fantasma e projetos ao agrado dos burocratas do partido.
Muitos ocidentais acham que a China é infalível. Alguns acham que eles inventaram um novo sistema. O ocidente já perdeu a superioridade moral, tecnológica e financeira em parte e ao menos simbolicamente. E o esporte favorito do agora humilde observador ocidental é se curvar ao modelo chinês, tanto por admiração pelo supostamente bem-sucedido modelo de comando-e-controle quanto pelo mesmo motivo que os europeus se curvavam aos pés dos imperadores da dinastia Ming, para conseguir concessões e favores dos novos imperadores.
Os americanos tem suas agências estatais de fomento à habitação. Os europeus tem seu falido sistema de bem-estar-social. Os brasileiros tem seu INSS e seu BNDES, suas empresas estatais e para-estatais, que cada vez mais engloba todas as restantes. E os chineses tem seus bancos estatais, seus governos locais se endividando até não poder mais e seus programas de estímulo, investindo em novos brinquedinhos, trens de alta-velocidade, provavelmente já entre os mais avançados do planeta.
Se para algumas coisas o processo decisório das democracias deixa a desejar, para outras ela é uma bênção. O projeto do trem-bala no Brasil foi imediatamente atacado pela imprensa e pela oposição, porque, afinal de contas, não tem cabimento construir uma linha que custa 60 milhões por kilômetro para servir de cartaz de propaganda do governo, enquanto nossas estradas e aeroportos precisam de investimento. Os projetos caem no emaranhado da fiscalização do tribunal de contas, permissões ambientais, que se resolvem com a troca de favores e a pressão do governo. Como o nosso país afinal não é tão democrático assim, o projeto eventualmente prossegue. Só que a China é bem menos democrática que o Brasil, e sequer as críticas são toloradas. A coisa lá se resolve em uma canetada e para o bem ou para o mal não há muita discussão possível. E por isso por lá não apenas uma linha foi construída, mas muitas, todas esperando por passageiros.
Só que neste caso em particular a agilidade é pior para eles a longo prazo. Porque estão erguendo a um custo elevado infra-estrutura que não será usada por muitos anos, com o simples propósito de manter a economia a todo vapor, para manter o comando sobre a população, evitando revoluções e o descontentamentos semelhantes aos que eclodem no oriente médio. O autoritário regime chinês provavelmente precisa de uma alta taxa de crescimento apenas para manter o status-quo.
O passageiro das linhas de alta-velocidade deve ter um poder de compra elevado, deve ser um profissional de alto-valor, bem empregado e que tem como pagar o prêmio envolvido no transporte de alta-velocidade. O profissional paga 50 Euros no bilhete porque para ele uma hora a mais faz diferença. Para quem esta diferença não é tão grande, é possível esperar pelo próximo trem e pagar menos. É assim na Europa, que tem uma grande parte da população com renda suficiente para pagar esse preço extra, logo há um número de empresas de trens de alta-velocidade.
Não é assim no Brasil, e muito menos na China. A expansão de uma rede de trens de alta-velocidade é um destes projetos que jamais foi realizado no intuito de realmente dar lucro e ser sustentável, e sim com o intuito de deslumbrar a população, proporcionar contratos para empresas chinesas, muitas oportunidades de corrupção e de negócios. No final quem vai ficar com a conta são os governos locais da China, que vão dar o calote nos bancos estatais, e, no final, como sempre acontece, o governo de Beijing que aparentemente não tinha nada a ver com isso vai precisar usar seus muitos bilhões de reservas para resolver uma enorme crise financeira interna, inteiramente made-in-China.
No médio prazo a locomotiva chinesa continua forte, puxando a demanda por commodities no rastro de programas estatais de estímulo à economia. Mas este e outros desequilíbrios vão continuar aumentando, até a locomotiva chinesa começar a descarrilhar.
Ao menos eles possuem recursos o suficiente para um resgate de seus bancos. Acredito que ao longo prazo tendem a se consolidar na liderança global. Mas também terão seus tropeços, e ao cair mandarão grandes ondas de choque tanto para os países produtores de commodities como para os EUA, cujos títulos formam a base das resevas chineses.
http://en.wikipedia.org/wiki/High-speed_rail_in_China
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2 comentários:
A China tem a maior população do mundo, isso significa o maior mercado e deveria se traduzir na maior economia. Se ainda não é, é porque estão fazendo errado e não certo. Modelo chinês? Pfff...
Pois é, tem um termo ótimo pra isso que é 'catch up growth'.
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